quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Transação VI

      Um dias desses fomos coletar na mata ciliar do Salto Cavalcante, onde as águas do rio das Cinzas (subafluente do rio Paranapanema) mostraram a capacidade de realizar pequenas ( e grandes) mudanças no ambiente.
Logo à jusante das quedas, havia uma ilhota de rocha basáltica onde nosso técnico Ed nos dissera que havia uma matinha (procure pelo salto cavalcante no Google Earth ou no Google Maps e compare com a foto desta postagem). Uma grande cheia veio (creio que em 2010) e o fluxo abrupto e furioso simplesmente destruiu a mata. Sobrou um cemitério onde poucos esqueletos arbóreos e de bromélias jazem para contar a história. As bromélias secas eram em grande número, adaptadas a um ambiente úmido e fechado e consequentemente não sobreviveram ao excesso de luz resultante da morte das árvores. O ''cemitério'' agora está povoado por indivíduos da bromélia Aechmea distichantha Lem. uma espécie ''pioneira'' no ambiente epifítico (cf. Kersten e Kunyoshi). À montante do salto, haviam muitos troncos acumulados nas margens e blocos basálticos enormes ''revirados'' criando aquele aspecto fúnebre à paisagem. Entretanto era de se notar também copas vermelhas ao longo da margem de indivíduos de Copaifera langsdorfii Desf. (família Leguminosae-subfamília Caesalpinioideae). Essa espécie crio eu, são mais comuns no norte pioneiro na bacia dos rios das Cinzas e Congonhas. Interessante que nessa região do estado, ocorre também Copaifera trapezifolia Hayne, de folhas menores, que provavelmente migrou pela região do município de Parapanema (sudoeste do estado de São Paulo), e até de mais longe, do litoral do estado, e nada como um estudo filogeográfico para resolver essa distribuição na sua história (Essa espécie ocorre da Paraíba até Santa Catarina, conferir  a Lista das Espécies da Flora do Brasil no site http://floradobrasil.jbrj.gov.br/2010/index?mode=1&group=Flora.Angiospermas&family=&genus=Copaifera&species=trapezifolia&author=&common=&occurs=1&region=&state=&phyto=&endemic=-1&nativa=-1&last_level=25). Caso semelhante ocorre com a espécie Exostyles godoyensis Soares-Silva & Mansano (família Leguminosae-subfamília Papilionoideae), uma árvore descoberta recentemente na Mata dos Godoy (daí o epíteto godoyensis). Os botânicos que descreveram essa espécie achavam que ela ocorria apenas nesse fragmento de Londrina, entretanto novas coletas(inclusive nossas) indicam que ela é mais comum nessas mesmas bacias hidrográficas, além de coleta na região de Parapanema (cf. Cielo-Filho et al. 2009). Ora, isso indica que elas usaram a mesma rota de disperão que a C. trapezifolia, entretanto alcançaram a região do Norte Novo. O gênero Exostyles contém quatro espécies, duas ocorrendo na região de floresta atlântica ombrófila do RJ, ES e BA. Um estudo filogenético poderia indicar como como a linhagem se diferenciou e como mudou de hábitat, d euma floresta úmida para uma mais seca.  Um dia faremos uma transação a respeito de uma espécie arbórea que Chrysophyllum splendens Spreng. (família Sapotaceae) que causou interesse no pesoal do herbário por causa de uma aparente dispersão para o interior do país...
        Voltando ao salto Cavalcante, a sua mata ciliar em certos trechos continha indivíduos estéreis de Justicia carnea Lindl., alguns cactos Cereus sp. (só me lembro dos espinhos de um grande grande tronco que quase me espetaram quando falseei em apoiá-lo quando fugia de uma surpresa em uma árvore vizinha, uma grande aranha, que depois se revelou uma inerte muda, para meu grande alívio). Mas o interessante foi a localização de alguns indivíduos de Schwendenera tetrapyxis K.Schum., uma rubiáceae simpática, porte de herbácea porém com estrutura de caule lignificada. Essa espécie era conhecida de umas três ou quatro coletas no Paraná e São Paulo. Entretanto, após a sua primeira coleta no interior de fragmento de floresta estacional semidecidual próxima ao Parque Estadual Mata dos Godoy (Londrina, Paraná), surgiu uma ''explosão'' de seus registros em diversos locais, sempre em matas ciliares peturbadas dos rio Tibagi e Ribeirão dos Apertados (embora observada no rio das Cinzas, não chegamos coletá-la).      
Salto Cavalcante, Tomazina (PR): No primeiro plano, o que restou da antiga matinha e as bromélias mortas.
                        
Salto Cavalcante: Montante do salto, observe vários, consequencia da enchente. As copas avermelhadas são indivíduos de Copaifera langsdorffii Desf.

Schwendenera tetrapyxis K. Schum. fotografada no Parque Estadual Mata dos Godoy, próximo ao Ribeirão dos Apertados.

  

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Transação V


Um belo indivíduo de Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze em interior de floresta.
                        
Num dia desses fomos andar em uma mata de transição entre ombrófila mista, mais comum nos Primeiro e Segundo planaltos do estado, e estacional semidecidual, mais comum no Terceiro planalto. Ou seja, uma região onde plantas, principalmente arbóreas, de planaltos com diferenças na pluviosidade e altitude se encontram.  Mas o interessante, que o primeiro tipo de mata aparentemente prevalece, por causa da altitude e latitude também, afinal, estávamos na região da Serra do Cadeado, nas divisas entre o segundo e o terceiro planaltos do Paraná.
Evidências para isso?
Quanto ao estrato arbóreo, grandes indivíduos de Araucaria angutifolia (Bertol.) Kuntze(família Araucariaceae) estavam preservados, tanto no interior quanto na borda da mata, sendo que um deles estava com estróbilos masculinos facilmente acessíveis, já que seu grande galho cresceu em direção ao solo. Chamou atenção também dois enormes sobreviventes indivíduos de Sloanea lasiocoma K.Schum.** (família Elaeocarpaceae), com o nome popular de sapopema com muitas, muitas epífitas ( , além de indivíduos de angico Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan (família Leguminosae subfamília Mimosoideae), sendo esta última comum em um estudo de descrição da flora de dois fragmentos de mata próximos.
No interior da mata, próximos ao riachinho, haviam também quatro grandes indivíduos de Dicksonia sellowiana Hook. (família Dicksoniaceae), samambaias arbóreas conhecidas por xaxim, com certeza sobreviventes do avanço da destruição desse tipo floresta no estado, além de sua exploração para substrato de plantio. Taquaras (gênero Chusquea, família Poaceae) em certos pontos se aglomeravam  ao ponto de que, quando se caminhava em meio aos seus colmos e folhas, surgia a sensação de se estar num túnel. Também haviam no subosque, diversos indivíduos de Cordyline spectabilis Kunth & Bouché (guaraíva, família Asparagaceae), uma da poucas monocotiledôneas lenhosas nativas da região (excetuando as palmeiras claro), e são muito bonitas. Já no solo, me recordo de ver muitas ervas do gênero Rubus (família Rosaceae), mas estavam sem flores nem frutos, então não posso arriscar identificar como espécie, além de diversas samambaias. Quanto aos arbustos, haviam num ponto, próximo à borda, um grande agregado de Justicia carnea (família Acanthaceae) com suas esplêndidas inflorescências, onde flores róseas tubulosas e bilabiadas se agrupavam numa espécie  de ''cabeça''  (esses arbustos ocorrem tanto na floresta estacional quanto floresta ombrófila mista, e é a primeira vez que vi indivíduos agregados desta espécie).

Sloanea lasiocoma K.Schum., com ramos cobertos por epífitas que sobrevivem por causa de uma maior umidade atmosférica na região. Esse cenário é bem mais raro ao norte de onde essa árvore foi fotografada, onde a floresta estacional predomina.
Samambaias arbóreas ( Dicksonia sellowiana Hook.).
Um agregado de indivíduos Justicia carnea Lindl. com inflorescências.

Inflorescência (tirso) de Justicia carnea Lindl.. Foto de Miguel Ferreira Jr.
Epífitas são muito comuns nessa região, principalmente da família Bromeliaceae, principalmente aquela cuja arquitetura foliar forma um tanque, visando reter água. Em florestas estacionais semideciduais mais ao norte em pleno terceiro planlto, bromélias com essa arquitetura são mais raras.
Bromélias em Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze
                                       
Bromélia do gênero Vriesea em Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze
              ** Eu achava que essa espécie ocorresse, no Paraná, preferencialmente em floresta ombrófila em relação à floresta estacional, onde Sloanea hirsuta (Schott) Planck. ex Benth. seria mais comum, mas tive uma surpresa ao ler uma revisão deste gênero, descobrindo que na verdade, S. lasiocoma ocorre tanto nas florestas ombrófila mista (floresta de Araucária) quanto em floresta estacional, ao passo que S. hirsuta não penetra no interior do estado do Paraná, estando na floresta ombrófila densa (mais próxima do litoral). Ver Sampaio 2009, revisão taxonômica das espécies neotropcais extra-amazônicas  de Sloanea L.(Elaeocarpaceae) na América do Sul, disponível no sistema nou-rau da unicamp.                

domingo, 18 de setembro de 2011

Transação IV

Um dia desses fomos visitar uma mata em Lupionópolis, quase próxima ao rio Paranapanema, divisa com o estado de São Paulo. Se na base para o topo dos morros na Serra do cadeado (transação III), divisa entre os Segundo e o Terceiro Planalto do Paraná, o arenito cede lugar ao basalto, que por sua vez se estenderá por boa parte desse último planalto, nessa nova região, a situação se inverte. O basalto da Serra Geral serve de base para um arenito mais recente, que eu achava que era o Caiuá, mas na verdade é o pertecente à formação Santo Anastácio.
Ou seja, da serra do cadeado até Lupionópolis ocorre um deixar a fita correr ao longo do final da era Paleozóica até meados da Mesozóica, compreendendo os períodos do Permiano até meados do Cretáceo.
Formações geológicas da Serra do Cadeado, (retângulo azul) e de Lupionópolis (retângulo vermelho). Observe os períodos e as idades (em milhões de anos, m.a.) quando se originaram essas formações. Fonte: Mineropar.


Isso influencia na flora?
Sim, com certeza.
Obviamente, não ocorre uma fenômeno de isolamento de floras para cada formação geológica correspondente, mas as rochas se decompõe em solos, e solos sim são excelentes fatores que permitem ou não a propagação de espécies, arbóreas ou não Por exemplo, não vimos nessa mata o palmito (Euterpe edulis Mart.), mesmo próximo de um córrego, como observado por Maack há cinquenta anos atrás (um dia podemos falar desse homem que tanto admiro).
A mata de Lupionópolis, além de não estar sobre terra roxa derivada de basalto, era muita mais seca. Num trecho no interior do fragmento era possível ver um cacto arbóreo. Mas realmente o que chamava atenção eram as trepadeiras. Haviam muitas delas. Como um indíviduo do gênero Tetracera  (visto pelo fabuloso Ed, o guia de campo de imensa sabedoria) que não tinha sido catalogada na Mata dos Godoy, mais ao sul e sobre terras basálticas.

sábado, 3 de setembro de 2011

Transação III

Topo do morro das Antenas, campo de altitude onde se notam blocos de arenitos e inflorescências avermelhadas de Dyckia dusenii L.B.Sm.. Foto de Miguel Ferreira Jr.
 
Em um dia desses subimos, eu e o meu amigo botânico Miguel, o Morro das Antenas na Serra do Cadeado, na divisa entre o segundo e o terceiro planalto do Paraná. Nós queríamos conhecer os campos de altitude da região, já que até então só visitáramos florestas. A subida do morro foi bastante tranquila, não íngreme, através de uma estrada de cimento, utilizada pelos funcionários da manutenção das diversas antenas fincadas no topo. A primeira observação era de tapetes de gramíneas nativas, nas quais não faço ideia alguma de quantas espécies as compõe, e muito menos os gêneros que predominam ali. Mas se já é fantástico observar que as gramas nativas são bastante diferentes dessas plantadas nas regiões baixas de Londrina, imagine então compará-las com aquelas de florestas mesmo aquelas com ''cara de grama" como Ichnanthus e Oplismenus. Interessante, que apesar desse grupo dominar os campos, muitas vezes é pouco catalogado. Por exemplo, eu e o Miguelito fizemos um levantamento florístico do Canyon Guartelá, uma grande área de ocorrência de campo natural do Paraná. Mas para nossa surpresa, os registros de gramíneas no acervo do Herbário da UEL para aquela área eram de apenas duas espécies.
Mas nem só de gramas os campos são feitos. Outras famílias colonizaram o topo do Morro das Antenas: nas áreas de solo raso, bromeliáceas representadas por uma população de Dyckia dusenii L.B.Sm., com rosetas espinhentas e flores de pétalas amarelas ligadas em um escapo (pendão) vermelho.  Estas bromélias são endêmicas de campos secos de picos de morros do Paraná e Santa Catarina, ou seja, por viverem em um ambiente naturalmente descontínuo, é necessário preservar esses lugares, que infelizmente, no morro do Mulato, um pedaço dessa vegetação deu lugar para uma ''pista'' de parapente. Além de bromélias e gramas, vivem lá Gaylussacia brasiliensis (Spreng.) Meisn., uma espécie de ericácea com pequenas flores róseas urceoladas, além de Chamaecrista cathartica, uma leguminosa cesalpinoídea arbustiva com folhas bastantes aderentes, e belas selaginelas nas áreas de afloramentos rochosos, que acredito eu, são arenitos brancos e ferrugíneos da formação Pirambóia, nas áreas mais baixas do morro, e no topo, não sei, as rochas eram diferentes, mais escuras, entre outras características que não consigo lembrar, mas acredito que sejam também da mesma formação, embora nessa região a tendência é que as rochas da base do relevo sejam arenitos da formação Rio do Rastro e Pirambóia e que são ''cobertos'' pelo basalto da formação Serra Geral no topo. Mas, voltando às plantas, para decepção do Miguel, não haviam rubiáceas naquelas bandas.

Vista do Morro das Antenas, com floresta de transição entre estacional e ombrófila. Foto de Miguel Ferreira Júnior.
                                                                
                                   
Gaylussacia brasiliensis Spreng. (Meisn.). Foto de Miguel Ferreira Jr.        
Inflorescência da bromeliácea (monocotiledônea) Dyckia dusenii L.B.Sm. no topo do Morro das Antenas. Essa espécie ocorre no Paraná e Santa Catarina. Foto de Miguel Ferreira Jr.
                                                                      

domingo, 14 de agosto de 2011

Transação II

Olyra humilis Nees
                                                             
Por esses dias estava caminhando em um fragmento em Bela Vista do Paraíso, no norte do Paraná...
Através de uma visão florística grosseira, acreditei que a mata era conservada. Em outras palavras, haviam diversas árvores grandes em tamanho e diâmetro ocupando o dossel do horto, com área de uns 200 hectares, como o guaritá (Astronium graveolens, da família da manga, porém não fornece frutos carnosos) e a peroba rosa (Aspidosperma polyneuron). Obviamente, é muito complexa a determinação do estado de conservação de uma floresta fragmentada. O argumento florístico, utilizado por mim, ou até mesmo o ecológico, através de dados quantitativos, ainda não seriam suficientes, visto que a história desse lugar não foi contada. Nesse  ''era uma vez'' vários distúrbios devem ter ocorrido como queimadas, retirada de árvores, e principalmente, o próprio isolamento da mata, que acarretou a inundação de luz pelo seu interior, e a invasão de espécies não nativas da região.
A planta invasora foi a Tradescantia zebrina, uma erva rasteira que se espalha pelo solo e sobe as árvores, e por onde povoa, poucas espécies, herbáceas, arbustivas ou ''filhotes de árvores (plântulas) conseguem sobreviver.
Por outro lado, no chão da mata, as espécies herbáceas nativas também me chamaram atenção. Predominantemente eram os bambus herbáceos (sim, bambus não são definidos como ''gramas lenhosas'') do gênero Olyra e Parodiolyra que habitam essa camada. E como notado pelo meu querido colega Miguel, havia poucos arbustos dafamília Rubiaceae (família do café), sendo essa família notável nas nossas matas (o Miguel estuda essa família).
Afinal, poucas primas do café e muitos bambus molinhos.
Os bambus precisam de vento para dispersar o pólen e assim se reproduzirem. No interior da mata, isso deve ser um pouco complicado.

quinta-feira, 11 de agosto de 2011

Transação I

Formiga numa grande ''floresta'' de Peperomia circinnata Link
                                    
Por esses dias, da janela do ônibus, vi que vale muito a pena prestramos atenção na nossa paisagem paranaense. Um cenário onde se misturam matas pequenas e plantações, mas que com um pouco de experiência, o que eram apenas colinas com tapetes verdes, amarelos e árvores agrupadas cedem lugar a uma mosaico onde cada copa, cada plantação tem sua identidade. Ao notar numa capoeira, um jangadeiro (Heliocarpus popayanensis ), com frutos castanhos esperando que o vento os levem para novas colinas, quiçá planaltos, em meio a algumas outras árvores que muitas vezes só sabemos a qual família pertecem, nos irradiam de euforia e melancolia. E fico digerindo inutilmente, como a foi saga botânica na bacia do Paraná, dos tempos desérticos mesozóicos até as reinações das perobas rosas (Aspidosperma polyneuron ), cedros (Cedrea fissilis ), angicos (Anadenanthera colubrina ), farinhas seca (Albizia edwallii ), figueiras brancas (Ficus eximia ) a perder de vista, e uma recente convivência com novas espécies de regiões muito distantes, convivência só permitida por um grupo de seres bípedes de muito distante também. Seria com certeza a nossa maior epopeia, nossa história mais preciosa se fosse totalmente revelada, mas também de todo não essencial.